No fim dos anos 1970, a disputa entre Coca-Cola e Pepsi por liderança no mercado de refrigerantes sabor cola estava em alta. Ambas as marcas investiam em campanhas publicitárias cada vez mais ousadas para conquistar o público. A mídia apelidou esse embate de Guerra da Cola, e com o tempo, o duelo deixou de ser apenas sobre cola – o objetivo agora era dominar o mercado global de refrigerantes. Em janeiro de 1992, a Pepsi enfrentava uma grande frustração: enquanto sua rival Coca-Cola controlava 75% do mercado do sudeste asiático, a Pepsi detinha apenas 17%.

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Foi então que Pedro Vergara, executivo chileno responsável pelas promoções da empresa em Nova York, surgiu com uma ideia ambiciosa: uma campanha explosiva para impulsionar as vendas em países emergentes. O ponto de partida? As Filipinas.

Nascia ali a promoção Pepsi Number Fever – uma espécie de loteria em que consumidores deveriam procurar tampas de garrafa com números impressos. A cada semana, um número vencedor seria divulgado na TV. Quem tivesse a tampa certa, ganharia prêmios em dinheiro – desde mil pesos filipinos até o grande prêmio de 1 milhão de pesos, o equivalente a US$ 40 mil na época, ou 23 anos de salário de um trabalhador filipino. A Pepsi separou US$ 2 milhões para bancar os prêmios.

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Inspirado no sucesso de campanhas da Coca-Cola nos EUA, Vergara apostava que essa promoção também seria um fenômeno. E ele acertou – ao menos no começo. Com apoio da agência mexicana DG Consultores, a Pepsi promoveu uma verdadeira blitz de marketing: outdoors, ônibus, rádio, televisão e anúncios em quatro dos maiores jornais filipinos. O país foi tomado pelo slogan: “Você pode ser o próximo milionário!”

À medida que os vencedores reais apareciam, seus rostos eram estampados em pôsteres, entrevistas e telejornais. O sucesso foi tão grande que, em apenas duas semanas, a participação da Pepsi no mercado filipino saltou para 24,9%, com as fábricas operando até 20 horas por dia, gerando um faturamento de mais de US$ 14 milhões – um crescimento de US$ 4 milhões.

Animada com os resultados, a empresa levou a campanha para Argentina, Chile, México e Guatemala. Inicialmente prevista para terminar em 8 de maio de 1992, a promoção foi estendida por mais um mês.

Da euforia ao caos

Num país assolado pela pobreza, cerca de 31 milhões de filipinos – metade da população da época – participaram da promoção, na esperança de transformar suas vidas. Mas o que começou como uma jogada de marketing virou um colapso social. As ruas mergulharam no caos: pessoas brigavam por tampas de garrafa, ocorriam furtos, saques e confusões em massa. A polícia prendeu milhares de pessoas, mas o pior ainda estava por vir.

No dia 25 de maio de 1992, às 18h, aproximadamente 70% da população estava diante da TV esperando o anúncio do número milionário. O número sorteado foi o 349. Em poucos minutos, uma multidão cercou os escritórios da Pepsi com tampas na mão – o motivo? Havia mais de 800 mil tampas com o número 349 no mercado, por erro da DG Consultores. A sequência deveria estar entre os números proibidos justamente por esse motivo.

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A Pepsi tentou controlar o estrago alegando primeiro que as tampas não tinham número de série válido. Depois, culpou uma falha no sistema de computador. Por fim, tentou confundir a população divulgando que o número correto, na verdade, era 134 – uma manobra que só serviu para inflamar ainda mais os ânimos.

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A Revolta das Garrafas

O desastre tocou um nervo histórico: o ressentimento contra a dominação estrangeira. Após séculos de colonização espanhola e, posteriormente, controle dos EUA até 1946, os filipinos estavam fartos de exploração – e a Pepsi, como ícone do estilo de vida americano, virou alvo.

Manifestações tomaram as ruas de Manila. Mais de 40 caminhões da Pepsi foram destruídos, virados ou incendiados. Escritórios da empresa foram atacados com coquetéis molotov e explosivos caseiros. Uma granada improvisada falhou ao atingir seu alvo, mas explodiu depois, matando uma professora e um estudante. Houve diversos feridos e mais mortes em confrontos com a polícia.

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Vicente del Fierro: o rosto da resistência

Entre os prejudicados surgiu Vicente del Fierro, um pregador local que se tornou a voz da população. Ele reuniu 800 vencedores lesados e processou a Pepsi, exigindo US$ 400 milhões em indenizações. Del Fierro foi até os Estados Unidos enfrentar a empresa pessoalmente. Em resposta, a Pepsi partiu para o contra-ataque:

  • Processou del Fierro por difamação, tentando silenciá-lo.
  • O obrigou a frequentar audiências mensais, desgastando sua saúde e emocional.
  • Manteve a perseguição mesmo após ele ser hospitalizado por insuficiência cardíaca.

A briga judicial virou um verdadeiro embate entre Davi e Golias.

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O custo de um erro

O impacto para a Pepsi foi devastador:

  • A empresa gastou milhões com acordos e compensações.
  • Suas vendas despencaram, e a Coca-Cola retomou a liderança.
  • A marca Pepsi virou persona non grata em diversas regiões filipinas.

A empresa decidiu pagar 500 pesos a cerca de 500 mil pessoas que apresentassem tampas com o número 349, um custo estimado de US$ 6 milhões. Ao todo, o prejuízo ultrapassou US$ 10 milhões, segundo a revista AsiaWeek.  Em 2006, o Supremo Tribunal das Filipinas inocentou a Pepsi das acusações legais, classificando o ocorrido como erro, não fraude. Mas o estrago já estava feito. A empresa perdeu a confiança do povo – e o mercado.

Pepsi Number Fever foi de sucesso estrondoso a exemplo clássico de como uma promoção pode sair completamente do controle. Enquanto a Coca-Cola permanecia sólida no topo, a Pepsi amargava a perda do respeito e da clientela filipina – superada, inclusive, por marcas locais.

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Você conhecia essa promoção desastrosa?

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