Arthur e Bernardo são gêmeos siameses que nasceram unidos pela cabeça, compartilhando 15% do cérebro e a principal veia que transporta o sangue de volta para o coração. Adriely e Antônio e os gêmeos, oriundo de Boa Vista (RO), tiveram sua história contadas no ‘Fantástico’ (TV Globo) do último domingo (31) e o resultado emocionou os espectadores.

No primeiro ultrassom do terceiro filho do casal veio a notícia que acabou os assustando: “Eles falaram que era uma coisa estranha. Não eram exatamente duas crianças perfeitas. Uma cabeça com dois corpos“. A incidência dessa rara condição conhecida como craniopagia é de um caso para cada 2,5 milhões de nascidos vivos.




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As primeiras complicações começaram já no sexto mês de gestação, quando Adriely começou a se sentir mal e precisou ser transferida para um hospital ligado à Fiocruz no Rio de Janeiro, onde os gêmeos nasceram em agosto de 2018. Aos oito meses, Arthur e Bernardo chegaram ao Instituto Estadual do Cérebro Paulo Niemeyer, onde um médico estrangeiro desaconselhou a separação.

Esses gêmeos se enquadraram na classificação mais grave, mais difícil e com maior risco de morte para os dois“, explicou Gabriel Mufarrej, um neurocirurgião brasileiro que os operou posteriormente. “Eu falei para ela, ‘Adriely, talvez a gente seja capaz de separar essas crianças”. Eu apreendi uma coisa, quando você tem 1% de chance, você tem 99% de fé.

Em um ano de vida, os gêmeos nunca haviam saído do ambiente hospitalar e a equipe médica se tornou parte da família. “A gente queria que eles aprendessem a andar, a desenvolver a linguagem. Mas, eles estavam no hospital e os instintos são precários. E, então, a gente colocava eles no chão, cortou o cabelo deles, fez festa de aniversário, ensinou eles a falar“, relatou a médica pediatra Fernanda Fialho.

Contrariando todos os prognósticos, Gabriel marcou a primeira operação que mudaria o destino de Arthur e Bernardo. “Eu batizei a primeira cirurgia de cirurgia do medo, do desconhecido. Essa tinha que encorajar a gente de seguir com as outras“, disse o neurocirurgião.

As próximas operações, que tinha como intuito desconectar aos poucos a veia do cérebro que ligava os irmãos, foram sendo realizadas de com intervalos de três a quatro meses. Na verdade, a regeneração rápida de Arthur e Bernardo surpreendeu a todos, mantendo a chama da esperança acessa.

A cada cirurgia era um alívio. A gente ia vendo que estava dando certo“, desabafou Adriely. “Mas, mesmo assim, com o coração na mão. A gente não sabia o que iria acontecer“, completou Antônio.

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Em três anos de internação, as crianças passaram por diversas ressonâncias magnéticas e tomografias para que a equipe médica pudesse entender a estrutura cerebral anormal. Para auxiliar tanto os exames de imagem quanto as operações, eles acabaram fazendo modelos cerebrais em réplicas 3D.

Várias vezes, durante as cirurgias, eu me perdia. A gente tinha que parar, sair de campo, para um auxiliar me mostrar [os modelos em 3D] e me ajudar a me localizar“, detalhou Mufarrej. “Havia risco de morte potencial em todas as cirurgias.

Depois de sete cirurgias, o neurocirurgião buscou a ajuda especializada do médico britânico Owasi Jeelani, o profissional com mais experiência em separação de craniópagos do mundo. “Esse caso em particular era desafiador porque era o par de gêmeos mais velho que a gente separaria“, confessou.

Jeelani veio ao Brasil depois de oito meses de encontros virtuais e três simulações com a equipe para realizar as duas últimas e mais importantes operações. Para se organizarem melhor, os profissionais se dividiram em dois grupos: equipe vermelha para aqueles que cuidariam de Bernardo e a equipe azul para Arthur.

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A cirurgia começou às seis horas da manhã e demorou treze horas, terminou de noite. As crianças ficaram mantidas em coma induzido, sedadas e na UTI. Nós fizemos a separação de um lado, ainda faltava o outro“, narrou Gabriel sobre a oitava cirurgia.

A nona operação aconteceu no dia 9 de junho e durou mais de 23 horas, acompanhada de apreensão de sobra. “Foi muito difícil. Eu me perguntava se a gente iria conseguir. Em um momento, teve um sangramento enorme, e os anestesistas ficaram em pânico. Depois, nós conseguimos controlar“, continuou.

Bernardo e Arthur já saíram do centro cirúrgico separados e com uma vida nova pela frente. “Ninguém conseguia falar nada. O silêncio tomou conta. Era muita emoção“, relatou o neurocirurgião. “Eu não estou acreditando que meus filhos estão separados. Eu gritava de alegria“, disse Adriely.

Eu acredito que eles vão ter algum grau de comprometimento. Algum atraso cognitivo e disfunção motora. Mas, assim, eles têm um futuro que ninguém esperava que eles fossem ter“, assumiu Mufarrej, ainda feliz. “Eles já passaram por tanta coisa, já sofreram tanto. Eles são muito guerreiros. Nosso coração é só gratidão“, completou a mãe.

No próximo mês, Arthur e Bernardo completarão 4 anos de vida e esse será o primeiro aniversário onde passarão juntos, rosto a rosto. “O maior sonho é ver eles recuperados, com saúde e até com uma vida social como as outras crianças. Poder estudar, poder jogar bola“, informou Antônio. “Sentir o sol, o vento. Eles estão internados desde que nasceram. Agora é só felicidade“, comemorou Adriely.

Assista a entrevista completa na íntegra:




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Todas as cirurgias, caríssimas em outras condições, foram custeadas pelo SUS, e o Instituto Estadual do Cérebro foi convidada a ser um parceiro da Fundação Gemini Untwined, iniciada por Jeelani. Além disso, a equipe de Gabriel será referência para as próximas cirurgias de separação de gêmeos siameses na América Latina.

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