Os bonecos hiper-realistas conhecidos como bebês reborn têm ganhado espaço no cotidiano de muitos brasileiros, seja como forma de expressão artística, ferramenta terapêutica ou substituto simbólico de filhos. Feitos à mão para se assemelharem a recém-nascidos, esses bonecos ultrapassaram o universo do colecionismo e passaram a ocupar um lugar de afeto para algumas pessoas. No entanto, o uso indiscriminado desse recurso levanta alertas sérios no campo jurídico, de acordo com especialistas.

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Esra Bilgin/Anadolu Agency via Getty Images.

A advogada criminalista Suéllen Paulino chama atenção para possíveis desvios de finalidade envolvendo os reborns e aponta a necessidade de regulação urgente do tema, uma vez que condutas ligadas a esses bonecos podem configurar fraudes, falsidade ideológica e gerar impactos no sistema público de saúde e assistência social.

Simulação da maternidade e uso indevido dos serviços públicos

Reprodução/Getty Images

De acordo com Suéllen Paulino, a questão não se restringe ao aspecto emocional ou simbólico. Há casos que ultrapassam os limites do aceitável, sobretudo quando envolvem serviços públicos: “Não estamos falando apenas de brinquedos. Há registros crescentes de adultos que simulam maternidade real com bebês reborn, registram os bonecos com nomes fictícios, fazem ensaios fotográficos, realizam batizados simbólicos e até solicitam licenças ou benefícios sociais”, afirmou.

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A advogada também destacou que algumas pessoas estão chegando a levar os bonecos para unidades de pronto atendimento, como se fossem bebês vivos: “Algumas pessoas estão indo a unidades de pronto atendimento (UPAs) com os bonecos nos braços, exigindo atendimento médico como se estivessem diante de uma criança viva, o que tem gerado perplexidade entre profissionais de saúde e usuários do SUS”.

A situação é tão alarmante que já começa a mobilizar autoridades. Projetos de lei foram apresentados em alguns estados e municípios com o objetivo de proibir o atendimento de bebês reborn em hospitais públicos, a fim de preservar recursos e garantir que o sistema de saúde atenda pessoas reais.

Quando o simbólico se torna ilegal: riscos jurídicos

No campo jurídico, o uso dos bebês reborn pode se transformar em ato ilícito, dependendo do contexto. Fraudes e falsidades ideológicas estão entre os riscos destacados por Suéllen Paulino: “Do ponto de vista jurídico, o uso desses bonecos pode ultrapassar o campo da fantasia e adentrar a seara da ilicitude em várias situações”, alertou.

Ela cita exemplos de fraudes em benefícios sociais, como Bolsa Família e auxílio-maternidade, além da simulação de adoções ou tratamentos fictícios nas redes sociais, com o objetivo de arrecadar dinheiro de maneira indevida: “Simulações enganosas em redes sociais com finalidades de arrecadação de dinheiro sob pretexto de adoção, luto ou tratamento de ‘filhos’ que não existem” configuram práticas que podem ser investigadas como estelionato ou falsidade ideológica, segundo ela.

Além disso, há registros de documentos falsos, como supostas certidões de nascimento e carteiras de vacinação para os bonecos: “Confecção de documentos falsos pode configurar falsidade ideológica, conforme o artigo 299 do Código Penal”, explicou.

Outro ponto grave é o impacto nos serviços públicos quando são mobilizados por situações irreais: “Há a insegurança jurídica gerada quando serviços públicos são acionados em contextos simulados, ocupando vagas e recursos que deveriam estar disponíveis para cidadãos reais, especialmente crianças em situação de vulnerabilidade”.

A urgência de uma regulação ética e legal

Para a advogada, é essencial que os poderes Legislativo e Judiciário se unam a profissionais da Psicologia para estabelecer limites claros entre o uso lícito dos bonecos e práticas que configurem desvios de finalidade:

“O ordenamento jurídico brasileiro valoriza a autonomia da vontade e a liberdade individual. Cada pessoa é livre para lidar com suas emoções e afetos da maneira que entender mais adequada, inclusive com uso simbólico de objetos. No entanto, o uso dos bebês reborn não pode se transformar em um escudo para fraudes, desperdício de recursos públicos ou dissimulações capazes de comprometer a integridade do sistema legal e social”, afirmou.

Suéllen destaca que a ausência de regulamentação específica abre espaço para abusos, e que o crescimento desse fenômeno exige respostas proporcionais à sua complexidade: “É urgente que o Legislativo, a Psicologia e o Direito caminhem juntos para delimitar até onde vai o uso lícito e legítimo desses bonecos e a partir de que ponto passa a haver desvio de finalidade, má-fé ou até crime”.

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Liberdade individual x responsabilidade coletiva

Por fim, a advogada reforça que o debate não pretende estigmatizar ou proibir o uso dos bebês reborn, mas sim garantir que a fantasia não comprometa a realidade em um país que ainda enfrenta graves desigualdades sociais: “Precisamos garantir que a fantasia não se sobreponha à realidade — especialmente em um país onde tantas crianças reais ainda esperam por acolhimento, assistência e justiça”.

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