No início de maio, Kawara Welch, uma artista plástica de 23 anos foi presa acusada do crime de stalking contra um médico de Ituiutaba, no Triângulo Mineiro. De acordo com a vítima, que preferiu não se identificar, as perseguições a ele e à família começaram em 2019. Ele chegou a registrar 42 boletins de ocorrência contra ela.
“Stalking” é quando uma pessoa persegue outra, pessoalmente ou por qualquer outro meio, como telefonemas e mensagens. A pena varia de seis meses a dois anos de prisão. Além disso, também inclui situações em que o perseguido nota o perseguidor no mesmo local que ele frequentemente, forçando-o a mudar sua rotina. Este foi o caso do médico. “Ela ficava me esperando na esquina do meu trabalho, ela invadiu a minha vida, eu fui perseguido várias vezes”, contou.
Neste domingo (19), o caso foi tema de reportagem no Fantástico. Ao dominical, o profissional revelou os horrores que sofreu durante os 5 anos e perseguição, onde foi submetido a mais de 1300 mensagens por dia, e cerca de 500 ligações consecutivas.
Segundo o médico, ele conheceu Kawara em 2018, quando a atendeu, e ela apresentava problemas de depressão. Depois de outros dois atendimentos, a mulher procurou a clínica onde o médico trabalha e o “stalking” começou a ganhar força. “Ela falou que aquilo não era uma coincidência, que ninguém salva a vida do outro tantas vezes do nada, que aquilo tinha alguma coisa a mais”, recordou.
Perseguição
Em entrevista, o médico contou que Kawara constantemente o enviava fotos perturbadoras, com lençóis e cordas amarrados no pescoço, além de mandar mensagens se despedindo dele. “Ela teve acesso ao meu celular e começou a passar mensagens pra mim. Começou a passar fotos perturbadores mesmo, amarrando lençol, cordas no pescoço e se despedia de mim… Eu entrei em pânico”, confessou.
A stalker passou a enviar mensagens ameaçadoras ao médico: “Começou a falar: ‘Olha, você é um cara casado e tem conversas nossas’. Ela começou a falar que ia mostrar nossas conversas pra minha esposa. Que a nossa conversa, segundo ela, é uma conversa desnecessária, que um homem casado não teria com uma paciente. Então ela começou a usar isso contra mim”.
Em uma tentativa de acabar com a situação, o profissional parou de atender a mulher em sua clínica. Porém, ela insistiu e foi atrás dele no hospital particular durante seus plantões. Nessas ocasiões, o médico pedia que outro profissional a atendesse. Tentando evitar qualquer contrato com a mulher. Porém, o caso se agravou ainda mais.
“Em uma situação especial, ela chegou a me passar 1.300 mensagens em um dia. E mais de 500 ligações num único dia. Eu troquei de número de celular umas três ou quatro vezes. Mas parei de trocar porque vi que era totalmente inútil. Ela tinha uma facilidade incrível em achar meu número novo”, afirmou a vítima.
“Como se tivesse num relacionamento”
Em um certo momento da reportagem mostra uma conversa entre o médico e a stalker na época em que tudo aconteceu. “Vamos sentar e conversar?”, pede ela chorosa, antes que o médico desligue.
Ao Fantástico, o profissional explicou o conteúdo das mensagens às quais foi submetido. “Como se ela tivesse num relacionamento e como ela se sentia frustrada, porque via que o relacionamento não era viável como pensava. E aí mudava para cunho de chantagem mesmo. ‘Olha, tudo que eu tenho aqui eu vou pôr na internet, vou fazer a sua esposa ler tudo'”, detalhou.
Além dele, sua esposa e seu filho também foram vítimas das insistentes ligações de Kawara. “Ela não perdoa nem uma criança. É uma ameaça. Eu me sinto ameaçada”, contou a esposa. “Ela ligava quando ele tinha sete, oito anos e ele não entendia. Fala: ‘Papai, tem uma mulher me ligando aqui, perguntando se eu tô na escola, onde que eu tô, se eu estou sozinho'”, disse a vítima.
Segundo a investigação, Welch também fez montagens, e as publicou nas redes sociais. Com a intenção de afirmar que o envolvimento romântico entre ela e o médico era real. Não satisfeita com a perseguição por telefone e pela internet, Kawara também passou a procurar o médico em público, e foi flagrada por câmeras de segurança.
Perseguição em público
Para escapar da perseguição, ele foi forçado a dirigir na contramão em algumas situações. “Eu tive momentos de horror. Entrava em pânico porque ou ela aparecia ou ela fazia alguma coisa inesperada”, confessou.
Uma dessas coisas foi viajar para encontrar o profissional enquanto ele fazia cursos em outros estados. Desde 2019, a vítima registrou cerca de 42 boletins de ocorrência contra Kawara. Em 2020, a stalker chegou a assinar um acordo no Ministério Público de Minas Gerais, concordando em deixá-lo em paz. Porém, de nada adiantou.
Ao longo dos anos em que perturbou o profissional, Welch foi presa duas vezes por crime de stalking. No entanto, foi solta sob uma condição: a de não manter contato com a vítima. Entretanto, o caso evoluiu a ponto de resultar em uma agressão. A stalker invadiu seu consultório em 2022, enquanto uma paciente era atendida. Na ocasião, Kawara trocou golpes contra a esposa do médico.
Em 2023, no mesmo local, ela voltou a atacar novamente, dessa vez com xingamentos e até acusações de roubo. “Você tomou o celular pra quê?”, questionou o médico. “Porque as provas tão tudo lá! Eu só quero conversar, eu mudo até de cidade. Mas você vai ser homem, porque você prometeu o céu e o mundo”, disparou a stalker.
Na época, a suspeita foi presa, mas ficou apenas uma semana na prisão e foi liberada após pagar fiança de R$ 3,5 mil e passou a responder ao processo em liberdade. Após o episódio, a mulher fugiu, mas continuou com as ameaças e ligações estava foragida desde então.
Prisão
Em março de 2023, a Justiça determinou a prisão preventiva dela por voltar a descumprir as medidas cautelares. Kawara ficou mais de um ano foragida até ser presa no início de maio, numa faculdade em Uberlândia, no Triângulo Mineiro, onde estudava nutrição.
Segundo Jean Filipe Alves, a defesa da stalker, houve um envolvimento entre ela e o médico. “Houve uma situação muito mal aceita e desgostosa por parte da companheira e da tal suposta vítima. Ela não praticou nenhum desses crimes que estão sendo alegados a ela, ela só está indo atrás da pessoa que também a quer”, alegou o advogado.
“Temos um arcabouço de provas que mostra a evidente relação dos dois. Ela não consegue ficar longe dele porque ele sempre vai atrás dela, dizendo que a ama e colocando a família como impedimento para eles ficarem juntos
A defesa nunca teve a oportunidade de se explicar de maneira devida. Em outra oportunidade foi determinado que houvesse uma acariação onde eles fossem colocados cara a cara, o que nunca aconteceu. A própria Kawara disse que prefere ficar presa do que prejudicar o médico e por isso resguarda muitas provas contra ele”, afirmou o advogado da stalker.
A vítima nega
Entretanto, a vítima nega qualquer relação com ela. Inclusive, a polícia endossa. “Nós acreditamos que não houve esse relacionamento. E mesmo se houvesse, não justifica de forma alguma esse tipo de ação, esse tipo de conduta de Kawara”, afirmou o delegado Rafael Faria, que ainda investiga como a stalker conseguiu disparar mensagens de 2 mil números diferentes. A polícia apura se houve uma ajuda de um hacker para clonar os números.
Segundo o psiquiatra Daniel Barros, a prática de “stalking”pode ou não ter relação com transtornos psíquicos. Porém, no processo não foi apresentado qualquer laudo sobre as condições mentais de Kawara. Já o médico e a esposa foram submetidos a tratamento para controlar o pânico há cerca de um ano.
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