Frequentemente, a internet faz com que vídeos de comidas de rua feitas na Índia ou no Paquistão viralizem no Youtube ou no TikTok. As imagens surpreendem pela quantidade de ovos, pimenta e manteiga, mas também pelas condições sanitárias usualmente questionáveis nas ruas do subcontinente indiano.
Isso, naturalmente, faz com que as pessoas se perguntem: “Por que a Índia é tão suja?”. A situação sanitária do país é um fato consciente nos governos e nas populações indianas e paquistanesas. Em especial nas grandes cidades, mas não parece ter uma solução simples. Aqui, iremos te explicar porque a Índia é considerada tão suja.
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— Insane Reality Leaks (@InsaneRealitys) June 4, 2024
Por que a Índia é considerada tão suja?
Os Vedas – textos sagrados do hinduísmo – e as Suras e o Corão – textos sagrados do Islã sunita, praticado pela maioria dos muçulmanos na Índia, Paquistão e Bangladesh – possuem considerações sobre higiene pessoal. E valorizam como divina a manutenção da limpeza do corpo e dos ambientes de convivência.
Porém, quem visita a Índia, o Paquistão e Bangladesh, encontra condições sanitárias péssimas, até mesmo nas grandes cidades. Como Lahore, Karachi, Nova Delhi, Calcutá e Dhaka. As condições são de fato degradantes. Mahatma Gandhi, uma vez escreveu uma carta descrevendo uma visita a um templo hindu:
“Visitei o templo Vishvanath ontem à noite. Se um estrangeiro viesse a este grande templo, não estaria ele justificado em nos condenar? É certo que as ruas dos nossos templos sagrados sejam tão sujas quanto estão? Se até mesmo os nossos templos não são modelos de limpeza, o que poderá ser o nosso governo? Não conhecemos as leis elementares de limpeza. Cuspimos em todos os lugares. O resultado é uma sujeira indescritível”, afirmou Gandhi em 1916.
Entretanto, a resposta da questão não pode cair no simples orientalismo de “mundos diferentes” ou em uma ideia racista de que os povos do subcontinente indiano são sujos. Na verdade, a melhor resposta para essa pergunta parece estar na colonização.
Os problemas da colonização inglesa
Quando a Índia passou ser domínio colonial inglês, a Companhia das Índias Orientais e o governo britânico decidiram reformar as cidades do país. Para abrigar os milhões de indianos que viviam ao longo dos três países do subcontinente indiano. Sendo estes: Paquistão, Índia e Bangladesh.
O interesse colonial no saneamento público restringiu-se às necessidades dos militares e da elite, e não de toda a população. A maioria das reformas municipais concentrou-se na erradicação de epidemias e na construção de propriedades. Porém, nenhum programa abordou as necessidades de saneamento dos povos do subcontinente indiano. Em 1947, a população indiana tinha menos de 1% de cobertura de saneamento. Se pararmos para pensar, isso foi há apenas 77 anos atrás.
A pobreza absurda imposta pelo regime colonial britânico dava péssimas condições de saúde para um país com alto crescimento populacional e, que se urbanizava às pressas. Subitamente, havia milhões de indianos nas grandes cidades. Vale ressaltar, sem educação formal e sem sistema sanitário decente.
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— Liberty Pill Memes (@LibertyPillMeme) June 4, 2024
Doenças e práticas de higiene
A falta de instalações sanitárias e de infraestrutura durante o período colonial levou à propagação de doenças e a práticas de higiene deficientes, que continuam a afetar a Índia até os dias de hoje. Afinal, uma reforma para reconstruir o sistema de esgoto de cidades com populações enormes como Delhi e Mumbai é praticamente impossível em curto prazo.
Além disso, a exploração de recursos naturais e o desenvolvimento industrial constituído pelos britânicos criou um dos principais problemas da Índia e do Paquistão até os dias de hoje: a poluição. O Rio Indo, no Paquistão, o Ganges, na Índia e em Bangladesh e outros canais hidroviários foram poluídos com química e esgoto.
A produção de lixo e a falta de infraestrutura do país para lidar com a sujeira de 1,6 bilhão de pessoas dificultam um plano de saneamento público de qualidade.
Péssimas condições de higiene
De acordo com essa situação que aparentemente não deveria acontecer, uma vez que estamos em pleno século XXI, eis alguns dados da realidade indiana:
- Diariamente são produzidos no país cerca de 120 mil toneladas de fezes;
- Somente em um dia a Índia produz aproximadamente 1,2 bilhão de litros de urina;
- Todo excremento diário produzido na Índia, se fosse transformado em gás metano, poderia gerar a capacidade explosiva que equivale a 18 bombas atômicas;
- Um limpador de fezes recebe um salário que parece “brincadeira”, algo em torno de 0,46 centavos de moeda brasileira.
Banheiros
A preocupação com saneamento é um tema desde os tempos de Nehru, primeiro chefe de governo indiano e um dos líderes da independência. Ele afirmava que o progresso na Índia seria representado quando todas as pessoas tivessem acesso a um vaso sanitário.
O censo de 2012 da Índia mostrou que mais da metade da população não tinha banheiro em casa. Assim, 49,8% dos indianos defecavam em valas públicas. Em 2019, o governo Modi anunciou que todas as casas da Índia tinham acesso a banheiros encanados. Um estudo de 2022, mostrou que mais de 20% dos indianos seguiam usando valas públicas e que 19% das casas ainda não tinham banheiro com encanamento.
Segundo um estudo da UNICEF, 10% da população paquistanesa ainda usava banheiros abertos, e apenas 43% da população possui acesso a um banheiro de qualidade.
Em 2014, o governo Modi anunciou a Swachh Bharat Abhiyan (Missão Índia Limpa), que visa tornar a Índia limpa e livre de defecação a céu aberto até 2 de outubro de 2019, o 150º aniversário de nascimento de Mahatma Gandhi. Atualmente, está em sua segunda fase, que irá até 2026. A missão se concentra na construção de banheiros, gestão de resíduos sólidos e comunicação para mudança de comportamento.
Hygiene is illegal over there, same with their Coca Cola factory. pic.twitter.com/eE5UdGHMkP
— The almighty (@Startrance85) June 4, 2024
As ações do governo indiano e paquistanês
No Paquistão, em 2018, o governo criou uma iniciativa chamada Clean Green Pakistan, que visa melhorar as condições ambientais do país, centrando-se em cinco pilares: água potável segura, gestão de resíduos sólidos, saneamento total e promoção da higiene, gestão de resíduos líquidos e plantio de árvores.
Além disso, foi lançada recentemente a proposta WASH (Água, Saneamento e Higiene), que comanda esforços para melhorar o acesso a água potável e instalações sanitárias através de vários programas, incluindo o Programa Nacional de Apoio Rural (NRSP) e o Fundo de Alívio da Pobreza do Paquistão (PPAF).
Analfabetismo
Um outro fator cultural é importante: uma grande parte da população desses países é analfabeta. Cerca de 26% da população indiana é analfabeta, e cerca de 42% dos paquistaneses não sabem ler e nem escrever. A falta de acesso a educação de qualidade faz com que educação básica sobre questões de higiene e saúde coletiva não sejam passadas adiante. O que torna a condição de vida nesses países muito pior.
O gasto bilionário desses países com o tema mostra que a população indiana é consciente do problema de higiene. Porém, os dilemas culturais e infraestruturais (agravados pelo colonialismo) tornam a missão de transformar o subcontinente indiano em lugar limpo muito mais difícil.