Dez anos depois, a maior derrota na história do futebol brasileiro ainda ecoa. O impacto desse jogo transcende o esporte, a ponto de a expressão “todo dia um 7 a 1 diferente” ser usada para descrever as dificuldades do nosso país. O jogador Thomas Müller concede uma entrevista e comenta sobre a Copa do Mundo de 2014. O relato abaixo traz memórias de Müller e Philipp Lahm sobre a goleada por 7 a 1 contra o Brasil, nas semifinais da Copa de 2014, no Mineirão, em Belo Horizonte.
As primeiras horas do dia e a estratégia alemã
Müller: Normalmente, partimos da nossa base de treinamentos… Tivemos que viajar, porque na Bahia só tínhamos uma bela praia e nada mais. Na floresta, na parte selvagem da natureza… Então tivemos que viajar. Estava quente no último treino, um dia antes, no estádio. Sabíamos que a temperatura estaria alta, e o estádio, lotado de brasileiros, com orações e toda aquela energia. Você começa o dia consciente do grande jogo que está por vir. Quase no mesmo nível, mas eu acho que sentíamos que o Brasil tinha, talvez, um pouco de vantagem. Por jogar em casa, porque eles eram muito fluidos… Mas, por outro lado, quando você é frio, calculista e pensa nos fatos, essas vantagens podem se tornar desvantagens. Uma coisa que lembro é que Neymar estava machucado, então talvez os brasileiros estivessem com medo por estarem sem sua superestrela. Como poderiam vencer os alemães? Mas acho que eles tinham muita confiança. Só que a pressão de cada torcedor brasileiro colocou muita pressão sobre aquele time. Eles não começaram mal, mas o efeito dessa pressão ficou evidente no primeiro tempo. A pressão foi uma das principais razões para estarmos ganhando por 5 a 0 no intervalo. Porque depois do primeiro gol que sofreram…
O meu gol foi uma boa sensação. Os jogadores ficaram malucos. Eles queriam atacar, atacar… Eles sentiram aquele momento, estavam 1 a 0 atrás no placar e precisavam empatar o mais rápido possível. Estavam atrás, precisavam fazer tudo que podiam para vencer esse jogo pelo país… Mas nesse tipo de pressão, nesse estilo de jogo, eles perderam o controle. Cometeram erros, nos deram metade do campo. Muitos estavam atacando o tempo todo. Nesse tipo de situação, nós tivemos competência para fazer 5 a 0 (…) Sabíamos que os brasileiros queriam controlar o jogo, queriam arriscar, jogar, são muito técnicos, nível mais alto possível, queriam ‘jogar bonito’ ao invés de apenas um gol de falta ou de cabeça. Tínhamos a sensação que precisaríamos defender bem, mas quando estivéssemos no campo do Brasil, precisávamos fazer o nosso jogo. Tínhamos jogadores maduros (…) Os brasileiros conseguiram nos machucar, mas eles forçaram muito.
Lahm: Um jogo de semifinal contra a equipe da casa é algo muito especial. Estávamos muito animados. Sabíamos que os brasileiros estariam muito emotivos e que nos pressionariam. Sabíamos também que teríamos que atacar a linha ofensiva, passar por ela. Aí teríamos muitas chances contra a defesa brasileira. Nunca é uma boa notícia quando as estrelas do time não jogam, tanto faz o adversário. Você quer se comparar aos melhores, e perder o Neymar, principalmente, foi muito triste para a seleção brasileira. Mas você nunca sabe, isso poderia trazer força ao time, quando as estrelas não jogam, e o time precisa se unir mais.
1 a 0
Müller: Sempre dizem que foi tudo planejado, mas nem sempre é assim. No entanto, nesse caso, foi realmente planejado que eu e Miroslav Klose corrêssemos em direções opostas para, talvez, bloquear quem estivesse nos marcando – geralmente é marcação individual. Eu comecei na trave da frente, Miro na trave de trás, e nós trocamos de posições. Durante essa troca, eu fiquei livre porque, não me lembro… David Luiz? Ele deveria me marcar, mas não conseguiu me acompanhar por causa do Miroslav Klose e seu marcador. O fato de a bola ter caído exatamente naquele lugar pode ter sido sorte ou um bom cruzamento, mas o plano era trocar posições para criar caos e talvez uma finalização ou uma cabeçada livre.
Lahm: Não precisei falar muito. O time estava presente no momento certo. Fizemos 1 a 0, nos sentimos confiantes e, na mesma hora, percebemos que a confiança dos brasileiros desapareceu. Eles cometeram pequenos erros, dos quais nós tiramos proveito.
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Quatro gols entre os 23 e 29 minutos
Lahm: Não acho que dá para descrever. Nunca vivi algo parecido na minha carreira. Foram seis minutos durante os quais os brasileiros erraram muito e nós aproveitamos cada possibilidade. Mesmo se você conseguir ignorar o primeiro gol, ao sofrer o segundo, os jogadores brasileiros sentiram a pressão. Essa situação os sobrecarregou, especialmente nesses seis minutos.
Müller: A seleção brasileira desmoronou. Quando eles sofreram o segundo gol, como tentei descrever, eles tentaram demais. Todo mundo queria ajudar a marcar um gol, então perderam o equilíbrio. Nesse jogo, fomos muito decisivos, marcando em cada ataque. Como você mencionou, entre 23 e 29 minutos, quatro gols… Normalmente, não se é tão eficiente, mesmo com as chances. No primeiro tempo, ou durante esse período insano, não falamos muito. Apenas agimos. Estávamos em boa forma e não tivemos tempo para pensar no que estava acontecendo. A conversa foi no intervalo, quando tivemos tempo para ‘nossa, não acredito’. No primeiro tempo, estávamos no modo automático, prontos para qualquer coisa por causa das forças do Brasil. Apenas seguimos o plano com máxima intensidade e aconteceu.
Alemanha desacelerou no segundo tempo?
Müller: Não, não. Nos primeiros dez, quinze minutos do segundo tempo, o Brasil teve duas ou três boas chances. Imagine se tivessem marcado na primeira, na segunda e na terceira chance. Nosso plano não era recuar. Queríamos jogar com respeito, não desrespeitar. Trouxemos nova energia, André Schürrle marcou mais dois gols. Nosso plano era vencer e jogar bem também no segundo tempo, mas não é normal marcar cinco gols no primeiro tempo. Essa foi a diferença.
Lahm: Não. Tivemos um exemplo negativo, o jogo contra a Suécia alguns meses antes nas eliminatórias. Estávamos vencendo por 4 a 0 no intervalo, mas terminou 4 a 4. Muitos jogadores lembravam disso, então nossa estratégia era continuar concentrados no segundo tempo. No futebol, tudo pode mudar rapidamente. Se o Brasil marcasse um ou dois gols, o jogo poderia ficar apertado. Não fui só eu falando. Fui de jogador em jogador, especialmente com os principais, trocando ideias para mantermos o foco e a concentração.
Tristeza brasileira nas arquibancadas
Lahm: Já deu para notar a tristeza dos torcedores no primeiro tempo, quando fizemos os quatro gols em sequência. Todos no estádio ficaram tristes. No intervalo, você sabe que está ganhando por 5 a 0, e isso também influencia sua equipe. Achei nosso segundo tempo pior. Estávamos em um bom nível, mas o Brasil teve algumas chances. Eles poderiam ter marcado, mas continuamos jogando de forma séria. Os torcedores brasileiros aprovaram porque continuamos respeitando o jogo.
Müller: Acho que sentimos a tristeza, mas não lembro bem. Depois do jogo, pensei em como seria cruzar o país de volta ao nosso hotel. Como os brasileiros reagiriam? Estariam bravos ou agressivos? No final, acho que porque a derrota foi tão evidente, as pessoas nos respeitaram. O ambiente no estádio foi bom.
O apito final
Lahm: Para mim, aquilo era incompreensível. Um 7 a 1 na semifinal, contra o país-sede… Precisava entender isso primeiro, mas logo começamos a pensar na final. Joachim Löw também ficou surpreso. Quando duas nações se enfrentam no futebol, na semifinal ou em jogos eliminatórios, você espera um jogo apertado, não decidido em 80 minutos. Ele também, mas se manteve calmo e começou a pensar na final.
Müller: Nós estávamos comemorando, mas talvez de forma mais tranquila do que você imagina. A maior festa foi após a vitória contra Portugal, no primeiro jogo, por causa da grande pressão. Sabíamos que ainda não tinha acabado; alcançar a final é ótimo, mas perder é nada. Estávamos felizes, mas também confusos com esse jogo insano e já focados na próxima partida. Foi uma mistura de felicidade e tranquilidade.
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